Com o pré-natal suspenso em parte dos hospitais do SUS e a possibilidade de não ser permitida a entrada de acompanhante na sala de parto, gestantes têm acessado informações em canais online e buscado alternativas às maternidades

Por Giulliana Bianconi
da Época

Doula em processo de parto domiciliar Foto: Newman Studio / Getty Images/iStockphoto

Enfermeira obstetra no SUS há seis anos, Ariane Teixeira de Santana, 32 anos, é taxativa: “As mulheres estão fugindo dos hospitais nesse momento”. No dia em que falamos ao telefone, ela estava de folga do plantão da maternidade Tsylla Balbino, em Salvador, mas havia passado o dia respondendo a dúvidas de gestantes, de casa, no grupo de Whatsapp que criou desde o fim de março, o Fale com a Parteira Bahia, onde divide com outras 21 enfermeiras espalhadas pelo estado o trabalho voluntário online.

São em média 20 atendimentos por dia para orientar gestantes e também mulheres que acabaram de parir. Não há dia que não surjam novas interessadas em se preparar para o parto longe do ambiente hospitalar. Acostumada a trabalhar com gestantes também fora da maternidade, fazendo partos domiciliares, Ariane me garantiu que a busca nunca foi tão grande.

É compreensível. As grávidas e puérperas estão no grupo de risco da pandemia, por serem mais suscetíveis às complicações do covid-19. Muitas delas, que faziam acompanhamento da gravidez no sistema público, estão desassistidas das consultas e exames de pré-natal desde março, quando hospitais do SUS – não todos – começaram a suspender as consultas de rotina, priorizando atendimentos de emergência e relacionados aos quadros de coronavírus.

Em alguns, já está vetada também a entrada de acompanhante na sala de parto, para reduzir chances de contaminação. A possibilidade de ter de entrar numa sala de parto usando máscara e sem acompanhante passa longe de ser um cenário acolhedor. Somado a isso, o histórico de relatos de violências obstétricas sofridas por mulheres no país – sobretudo mulheres negras, como já mostraram pesquisa e estudos da Fiocruz – é mais um aspecto que pode deixar gestantes apreensivas.

Mas o parto domiciliar não deve ser visto como uma “solução” para todas, alerta a enfermeira. Tudo é bastante sensível, e a preparação para um parto em casa exige muita responsabilidade e cuidados alinhados a protocolos médicos. No grupo online, Ariane diz que as profissionais ajudam as mulheres a digerirem esse momento, mas apenas com respostas a dúvidas e, quando muito, fazem encaminhamentos, indicando as unidades de saúde que devem buscar.

Nada de consultas online, nem estímulos para que as mulheres fiquem em casa para parir. Fora do grupo, ela inclusive tem declinado de alguns pedidos de gestantes que chegam decididas, já com a gravidez avançada, a trocarem o plano “parir no hospital” por “parir em casa”. Ariane me explica o por quê: “A gravidez precisa ter sido acompanhada, a gente tem que saber do histórico dessa mulher nos meses que antecedem o parto e não ter fatores de risco para a saúde dela e do bebê”, enumera.

No dia em que nos falamos, eram 18h e Ariane já havia respondido a quatro mulheres que queriam saber sobre a possibilidade de serem assistidas em casa para o parto. No dia anterior, haviam sido três.

Mas no grupo Fale com a Parteira as mulheres também buscam saber sobre amamentação, tiram dúvidas sobre sintomas do coronavírus. Pergunto se o grupo, que também já existe em Recife, Manaus, Alagoas e Aracaju, deve seguir após a pandemia, e ela me conta que sim, que pelo menos na Bahia as enfermeiras querem fazer desse um serviço permanente.

Em meio a tantas angústias suscitadas por uma crise de saúde gerada pelo novo vírus, é fato que surge um novo suporte para mulheres gestantes no país. Não é o único novo serviço. No Rio de Janeiro, a doula, fisioterapeuta e educadora perinatal Edmila Sta Rita, 30 anos, que há três anos realiza atendimentos de cuidado e educação a gestantes por meio do Ilê Materno, um braço da organização Terapretas, tem assistido ás grávidas remotamente.

Inclusive lançou um aplicativo há poucos dias, gratuito, onde atividades como plano de parto, antes feitas pessoalmente, podem ser realizadas. “É um desafio porque o meu trabalho sempre foi olho no olho, toque, mas agora também tenho dado muita atenção à preparação do acompanhante, a pessoa que vai estar ao lado dessa mulher quando ela entrar em trabalho de parto”, me explica.

Mesmo que esse acompanhante seja proibido de entrar na sala de parto, ele pode conduzir uma massagem, fazer os toques e o ritual preparatório que, sem isolamento social, seriam tarefas da doula.

A busca pelo atendimento de Edmila também cresceu no último mês. De dez mulheres, ela passou a atender 28. Ela observa que nesse cenário que soa hostil, há a chance de mais mulheres buscarem informação, educação. “Como o trabalho que realizo é para ampliar a autonomia das mulheres junto a seus corpos, esse acompanhamento é sempre orientado a levar a um processo de empoderamento das gestantes”, me diz.