Publicado originalmente no site da Rede Feminista de Saúde

A Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos vem a público manifestar profunda indignação e repúdio à exoneração da Equipe da Área Técnica Saúde da Mulher do Ministério da Saúde e a exclusão de um conteúdo (NT16/2020-COSMU/MS) que visava informar, às pessoas que engravidam sob violência, sobre seu direito a decidir por um aborto legal. Sabe-se que apenas 55% dos hospitais que deveriam oferecer o serviço de aborto legal o estão fazendo.  As agressões e arbitrariedades contra a saúde da população nessa pandemia demonstram a absoluta insensibilidade do governo pela vida das brasileiras e dos brasileiros. A destruição da Área Técnica da Saúde da Mulher é o último ato a provar que o governo não tem o menor respeito pela saúde da mulher e os direitos sexuais e reprodutivos.

Nesse episódio, há dois aspectos a destacar. Primeiro o desmonte de uma área fundamental, historicamente construída pelos movimentos de mulheres e pelas profissionais de saúde dedicadas à defesa da saúde integral das mulheres, dos seus direitos sexuais e reprodutivos; a outra faceta é a mais cruel, pois se trata de deixar ao abandono milhares de mulheres e meninas que, cotidianamente, enfrentam violadores dentro da própria casa.

As gestações indesejadas constituem uma enorme parcela entre as mulheres que procuram ajuda no exercício de um direito assegurado desde 1940. Nas décadas de 1990 e 2000 estes direitos foram objetivados através de legislações e programas. A Lei da Violência Sexual 12.845 de 2013 tornou obrigatório o atendimento integral de pessoas em situação de violência sexual. Não se trata, portanto, de uma reivindicação, mas de um direito assegurado em lei.

O governo expõe o total desconhecimento de compromissos internacionais do Estado brasileiro, da legislação nacional, das atividades próprias de gestão, ou sequer o interesse de saber as ações que cabem a cada instância do governo. Desta forma, somos brindadas diariamente com um cardápio de atos e “desrealizações” despidas de qualquer racionalidade. O foco é o ódio, a raiva e a incompetência. Poderíamos listar intermináveis aberrações direcionadas às mais diversas áreas do governo e da sociedade.

A Covid-19 mata uma pessoa por minuto no Brasil. Enquanto isso o Ministério da Saúde vem tendo esvaziada sua autoridade técnica para proceder numa situação de tal gravidade. E o peso dessa tragédia cai agora com maior intensidade sobre as pessoas que sofrem estupros e engravidam. É um absurdo que em tempos de pandemia, quando todo o mundo debate as evidências do aumento dessa violência sexual, alerta que a ONU fez já no final de março, não se reconheça a situação de extrema vulnerabilidade desse segmento.

Sabemos que a casa pode ser o pior lugar para as mulheres no que tange à violência, como lugar da opressão e do medo. O confinamento agudiza esta violência, tanto pela impossibilidade de pedir socorro e de denunciar, como pela presença do agressor.

O Governo Bolsonaro é assentado no machismo, na misoginia, na homofobia, no racismo e na manutenção e estímulo à cruel iniquidade e opressão cultural acentuada pela desigualdade de nossa sociedade de classes.

É o governo do ódio, da truculência, do desrespeito e da intolerância. Essa tendência é concretizada em práticas perniciosas e lesivas à sociedade. A mais evidente é o incessante desmonte do Estado com perseguição e humilhação dos servidores públicos e eliminação dos postos de trabalho. No entanto, o traço mais marcante é a ausência total de um plano de governo, de qualquer trabalho que possa lembrar que temos governo. Pretende -se o fim das políticas sociais, da cultura, da ciência, do saber e da soberania nacional.

Sabemos que não há diálogo com esse governo. Resta-nos, portanto, denunciar à sociedade e levar às demais autoridades da República a violação dos direitos humanos das mulheres. E exigir medidas para que nós não sejamos abandonadas durante a pandemia.

Queremos deixar registrado que nós mulheres não desistiremos de lutar pelos nossos direitos e autonomia de nossos corpos. Nada irá nos impedir de viver e buscar a liberdade e a felicidade. Por isso aqui definimos a tarefa inadiável e imprescindível: deter o terrorismo governamental e impedir que nosso país seja devastado por esse tipo de governo.

SAÚDE É DIREITO DE TODAS E TODOS, E DEVER DO ESTADO!

NOSSO CORPO NOS PERTENCE! RESPEITO AO ESTADO LAICO!

Rede Feminista de Saúde, junho de 2020.