Mães assintomáticas ou com sintomas leves tiveram que ser levadas à UTI após a cirurgia em 13,5% dos casos, segundo um estudo feito na Espanha

Do El País Brasil

Enfermeira atende recém-nascido em hospital de Hanói (Vietnã), em 1º de abril.
Enfermeira atende recém-nascido em hospital de Hanói (Vietnã), em 1º de abril.KHAM / Reuters

Se em situações normais as autoridades sanitárias tratam de reduzir a crescente taxa de cesarianas, em plena pandemia da covid-19 a recomendação de preferir o parto natural exceto em casos de estrita necessidade se torna mais importante ainda, segundo os resultados de um estudo realizado na Espanha. O artigo, publicado nesta segunda-feira na revista médica JAMA, mostra que as cesáreas estão associadas a um agravamento do estado das grávidas com coronavírus, porém assintomáticas ou com sintomas leves: 21,6% delas sofreram uma piora de sua situação clínica, frente a 4,9% das que fizeram parto natural. Depois da intervenção, 13,5% das mães tiveram que ser levadas à UTI, frente a nenhuma das que pariram por via vaginal. O parto cirúrgico também foi associado a uma maior percentagem de internação dos recém-nascidos nas UTIs neonatais: 29,7% frente a 19,5%.

“A cesariana, como toda cirurgia, produz inflamação, que se soma à já produzida pela infecção. Esse estresse fisiológico faz aumentarem as complicações depois da intervenção nas mulheres com covid: elas têm maior risco de precisar de assistência respiratória, de sofrer deterioração clínica e de darem entrada na UTI”, diz Óscar Martínez Pérez, chefe-adjunto do serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital Puerta de Hierro, na localidade de Majadahonda (região de Madri) e autor principal do estudo. Não é só a cesariana, salienta Martínez Pérez: qualquer cirurgia em doentes com coronavírus aumenta o risco de complicações pulmonares ou inclusive de morte, segundo um estudo publicado em 28 de maio na Lancet. “Não há alternativa a operar um traumatismo urgente, mas se for possível fazer um parto natural, é melhor para mãe e a criança”, afirma.

O obstetra conta que, nas primeiras semanas da crise sanitária causada pela pandemia na Espanha, eram praticadas mais cesarianas nas grávidas com coronavírus, por medo de transmissão vertical e de que a mãe sofresse complicações. Naquele momento, na falta de experiência com a doença e de evidências científicas, só se contava com a referência de dois estudos chineses em quatro e nove partos, e todos menos um tinham sido por cesariana. Entretanto, depois de analisar os dados de 78 partos de mulheres com covid sem sintomas ou com sintomas leves, a conclusão é que “é preciso tentar – como sempre – evitar a cesariana. Só o fato de fazê-la já piora o prognóstico destas pacientes”, diz Martínez Pérez.

Distinto é o caso das parturientes em estado grave, para as quais a indicação de realizar ou não a cesariana dependerá do estado da mãe e do que ela aguentar, pois o parto consome muito oxigênio. As quatro mulheres neste estado incluídas no estudo precisaram de cesariana e internação na UTI.

Das 78 pacientes assintomáticas ou com sintomas leves, 41 deram à luz de forma natural (53%) e 37 por cesariana (47%), sendo 29 por indicação obstétrica e oito por sintomas de covid. Ou seja, uma taxa muito acima do teto de 15% recomendado pela OMS e dos 26% da média na Espanha em 2018. Destas 37 mulheres, cinco (13,5%) tiveram que dar entrada na UTI e 8 sofreram uma deterioração clínica (21,6%). Dos bebês nascidos por cesariana, 11 (29,7%) precisaram ser atendidos numa UTI neonatal. Das 41 que pariram por via vaginal, duas tiveram agravamento do seu quadro, (4,9%), mas nenhuma foi para a UTI. Oito recém-nascidos (19,5%) precisaram de tratamento intensivo. Para o estudo, explica seu autor, foram feitos os ajustes necessários sobre o estado prévio da mãe, de forma que o único fator que diferenciava as pacientes de um grupo e de outro era o tipo de parto.

Esses dados foram colhidos em março e começo de abril pelos profissionais do grupo Emergência Obstétrica Espanha, formado por mais de cem ginecologistas e parteiras de hospitais que atendem 160.000 partos por ano, ou 30% do total no país, e que lançaram um cadastro de partos de mulheres com covid. A limitação atual do estudo é o baixo número de casos incluídos, que torna o intervalo de confiança amplo demais. Martínez Pérez antecipa que está preparando outro mais amplo, com quase 500 pacientes, além de outro internacional, com mil.

“É interessante, dá uma primeira fotografia dos resultados perinatais em partos vaginais e por cesariana”, opina Juan Luis Delgado, presidente da seção de medicina perinatal da Sociedade Espanhola de Ginecologia e Obstetrícia (SEGO), sem participação no estudo. Esta fotografia, diz Delgado, mostra como nessas primeiras semanas de pandemia na Espanha eram adotadas certas condutas nos partos sem comprovação científica, pois esta não existia, o que explica a alta percentagem de cesarianas. Portanto, adverte, não se pode extrapolar a situação atual, em que se passou de praticar a intervenção nas doentes no terceiro trimestre, porque se acreditava que assim se evitariam complicações, a deixar a gestação seguir seu curso se não houver risco para o bem-estar fetal ou materno.

Embora ressalte que a amostra no artigo publicado na JAMA é muito pequena, e que faltam descrever fatores importantes, concorda com Martínez Pérez em evitar a cesariana se for possível, e nunca a indicar diretamente para gestantes com covid. Recorda também que o maior risco de episódios trombóticos em decorrência do coronavírus se agrava com a cirurgia. Como explica Delgado, a SEGO propõe atualmente “tratar a doença, se a mulher estiver em um estado aceitável de saúde, ou seja, com sintomas leves ou moderados, e esperar que se cure” e a gestação evolua. Caso seja necessário interrompê-la, “o ideal é tentar induzir o parto em vez de fazer uma cesariana, exceto se se pensar que a mãe ou o feto não suportarão as horas de um parto induzido”.