Apesar da recomendação de quarentena para gestantes, médicos alertam que evitar a realização de exames pré-natais pode ser mais arriscado do que uma eventual exposição ao vírus
Da Época
A pandemia do novo coronavírus já causou a morte de sete gestantes e 12 puérperas (mulheres em fase pós-parto que se estende, em média, entre 45 e 60 dias) no Estado de São Paulo.
De acordo com Adriana Dias, responsável pelo Grupo de Enfrentamento à Morte Materna e Infantil da Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria Estadual de Saúde, isso representa 6,9% das 274 grávidas e mulheres que tiveram seus filhos recentemente e que desenvolveram Covid-19 no estado. Estes números reforçam a necessidade de medidas para evitar que futuras mães contraiam a doença.
Com ainda pouco conhecimento científico sobre como a doença afeta futuras mães, a melhor maneira de evitar complicações na gravidez ou no pós-parto, em sua opinião, é tomar as medidas para não se infectar com o novo coronavírus. A especialista alerta, contudo, que tão preocupante quanto a doença é a decisão de algumas futuras mães de, por medo da pandemia, evitarem o pré-natal. Ela conta que desde que o novo coronavírus chegou ao estado, grávidas faltaram a cerca de 30% das consultas de pré-natal.
“Aprendemos a todo dia com esta doença, que é muito nova. Mas estes casos indicam que é preciso que as grávidas reforcem o isolamento social, evitem aglomerações e reforcem a etiqueta de higiene para evitar a contaminação”, disse Dias. “Mas não ir ao pré-natal pode ser mais perigoso que a Covid.”
Ela lembra que, o medo da pandemia, pode agravar outras situações. A especialista alerta que hoje os hospitais tem todas as condições de prestar o pré-natal e atendimentos médicos com toda a segurança para as grávidas.
“O que não se pode é, por medo, deixar de ir nas consultas ou ao médico quando necessário. Uma simples infecção urinária, comum em grávidas, pode levar à morte, se não for cuidada a tempo”, conta.
Mas afinal, a gravidez é um fator de maiores complicações para a Covid-19? Especialistas divergem. Embora o número de falecimentos preocupe, ainda é pequeno diante do total de partos realizados no Estado: um média de 48.719 por mês. Ou seja, desde o começo da pandemia, cerca de 150 mil crianças nasceram nas cidades paulistas e, neste universo, os 19 óbitos de mães ligados à Covid representam 0,01% dos partos paulistas no período.
Até o dia 15 de junho deste ano, 171 mães faleceram no estado por problemas no parto por diversos motivos – incluindo nesta conta os 19 óbitos relacionados à Covid-19. Não há detalhamento dos casos nacionais da doença, para tentar auferir o impacto em gestantes.
Dias lembra que o governo do estado de São Paulo segue investigando detalhadamente as 19 mortes de grávidas e puérperas por Covid-19, pois a maior parte das gestantes e mães no pós-parto que faleceram tinham outros problemas de saúde que agravam a doença. Entre as comorbidades estavam: doenças cardíaca, diabetes, hipertensão e problemas renais. Ou seja, não há ainda uma conclusão de que estas mulheres teriam sobrevivido à Covid-19 caso não estivessem grávidas.
Grávidas com Covid-19 nos EUA
Um estudo do Jornal Americano de Obstetrícia e Ginecologia estima que, neste ano, 16.601 grávidas pegarão Covid-19 nos EUA, sendo que 3.308 casos poderão ser considerados severos, 681 críticos, causando 52 mortes maternas no país que mais casos tem da pandemia do novo coronavírus.
Porém, Agnaldo Lopes, presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) afirma que, até o momento, não há um estudo sequer que comprove a gravidez como um fator de complicação para a Covid-19.
“Diferente de outras viroses, como o H1N1, uma grávida não tem um quadro mais grave de Covid-19 que uma não-grávida”, explica Lopes, que alerta que ainda não há indicações de partos mais ou menos seguros para mulheres com Covid-19 e que, o melhor a se fazer, é evitar o risco de contaminação da doença, inclusive em ambientes profissionais.
Renato Sá, obstetra e Coordenador Geral do Centro de Diagnóstico da Perinatal, maternidade com dois hospitais no Rio, afirma que as grávidas devem se cuidar. Embora não tenha registrado a morte de nenhuma gestante em suas unidades – que realizam cerca de 900 partos por mês – , ele lembra que em abril, todas as pacientes sintomáticas foram testadas, cerca de 15 por semana, sendo que 40% destas deram resultado positivo para o novo coronavírus. Agora todas as grávidas que entram na maternidade são testadas para Covid-19.
“Tenho medo que isso piore muito, a doença pode ter impacto na mortalidade materna”, disse ele. “Os artigos sobre Covid e gravidez estão saindo há muito pouco tempo e a gente ainda não tem nenhuma noção segura da possibilidade de problemas para o feto, antes dizíamos que não havia transmissão vertical (de mãe para filho) da Covid, agora começam a surgir os primeiros que indicam que isso possa ocorrer, ainda que em percentual pequeno. E a gravidez não é propriamente um risco, mas a gente tem que considerar que há comorbidades que podem ser associadas à gestão, como uma grávida diabética ou uma grávida hipertensa.
Com tanta falta de informação o ideal, segundo ele, é evitar aglomerações e vida social das grávidas. Ele afirma que, com as medidas de relaxamento, há futuras mamães que estão retomando a ideia de chás-de fraldas, o que deve ser evitado a qualquer custo:
“Este é um grupo que se a gente fizer um isolamento vertical, a gente consegue proteger 100% das grávidas, diferentemente dos diabéticos”, disse ele, cujas maternidades se adequaram para minimizar ao máximo o risco de contaminação da Covid-19 e defende que as mulheres façam seu pré-natal naturalmente, mas tentem otimizar suas saídas médicas, ou seja, no mesmo dia que tenha sua consulta faça o ultrassom e outros exames.
Sá afirma que há uma sensação de que as puérperas têm se complicado mais que as grávidas, pois um dos efeitos da doença é alterar a parte de coagulação, uma função que já passa por alterações nas mulheres depois de terem filhos. Para ele, apesar de haver uma opção maior de cesarianas em partos durante a pandemia, por medo, não há nenhuma evidência que um parto ou outro seja melhor ou pior para mulheres com o novo coronavírus. Se por um lado a cesariana gera mais dificuldades no pós-parto, o trabalho do parto normal exige mais da capacidade de respiração das grávidas, ou seja, em sua opinião há há melhor forma de parto para mulheres com Covid.
Sá lembra ainda que, com o medo da pandemia, as grávidas não podem relaxar sobre outros cuidados. Ele se preocupa com a baixa taxa de vacinação ao H1N1:
“Já vi muitas epidemia devastadoras para grávidas, como Aids, dengue, H1N1, zika e agora a Covid e todas são sempre muito preocupantes. Mas, pelo que conhecemos, o H1N1 tem um potencial muito mais forte para uma grávida, e há vacina para isso. O medo da pandemia não pode fazer as grávidas esquecerem de outras questões”, disse ele.