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Não sabemos quando a epidemia vai acabar. Será que essas mães vão aguentar? - valentinrussanov/Getty ImagesNão sabemos quando a epidemia vai acabar. Será que essas mães vão aguentar?Imagem: valentinrussanov/Getty Images

Há quatro meses a socióloga e jornalista Juliana Taddone faz aulas de mestrado online com a filha, Elena, de três anos, no colo. Ela é mãe solo e mora em New Orleans, nos Estados Unidos. “Todos já a conhecem. Além das aulas, tenho também que estudar e trabalhar para pagar as contas”.

Já seria difícil se Juliana não tivesse que dar conta da filha. Mas com a escolinha fechada, ela cuida sozinha da menina. Quando a filha fica com o pai, duas vezes por mês, ela aproveita para colocar a vida em dia, o que significa ir ao supermercado, banco, etc.

Há um mês, Juliana tomou um susto. “Fui parar no hospital com um cálculo renal e minha pressão estava muito alta. Tive também muitas dores no corpo”. Ela pensou em largar o mestrado em uma prestigiada universidade americana. “Não estava dando conta de tudo e o mestrado era a única coisa que eu podia largar.”

Ela não é a única. Segundo estudos, as mães são dos grupos que mais apresentam problemas de saúde mental durante a pandemia.

Uma pesquisa divulgada esse mês pelo Centro de Adição e Saúde Mental de Toronto, no Canadá, afirma que as mulheres e os adultos com filhos menores de 18 anos são os que experimentam um grau maior de estresse durante a pandemia. 24.3% das mulheres apresentavam ansiedade (de moderada a extrema). No caso dos homens, o número era de 17.9%. Outro dado: 29% dos adultos com filho relataram depressão. No caso dos adultos sem filhos, o número foi caiu para 18.9%.

Ligia Moreiras, criadora da plataforma "Cientista que virou mãe" e mãe de Clara, de 8 anos: "O que está acontecendo com as mães na pandemia é uma catástrofe" - acervo pessoal - acervo pessoal
“O que está acontecendo com as mães é uma catástrofe”, alerta a cientista Ligia Moreiras, que tem mestrado em psicobiologia e doutorado em saúde coletiva e é criadora da plataforma “Cientista que virou mãe”. Mãe de Clara, de 8 anos, ela faz também “mentoria” (espécie de aconselhamento) para outras mulheres e lida diariamente com mães.

“Temos um nível de comorbidade estratosférica causada pela pandemia. E uma delas é a destruição da saúde da mulher que é mãe. Esse grupo está tendo pico de ansiedade, depressão e outras doenças.”

Ela acha que a sociedade precisa ver como o trabalho das mães é importante em tempos de coronavírus. “Falam que a linha de frente dessa pandemia são os profissionais de saúde. Mas não são só eles. São as mães que estão cuidando de milhares de crianças sem escola.”

Ligia também faz parte da linha de frente materna. Mas se considera privilegiada por ter guarda compartilhada da filha com o pai. “Na semana que ela está com o pai, sento para trabalhar e só saio dez da noite, nem me alimento direito. Claro que isso me deixa com o sono desregulado e com dor crônica na lombar, mas sei que, comparada com outras mulheres, sou privilegiada”.

A publicitária Ana Paula Casado, mãe de dois filhos, um de 10 meses e outro de 4 anos, também diz ter privilégio, pois pode trabalhar em casa e divide todas as tarefas com o marido. .

Ana Paula trabalha em uma agência de marketing digital e montou estratégias para conseguir da conta do trabalho e dos filhos ao mesmo tempo, já que o marido sai para trabalhar.

“Eu tento acordar antes deles para já agilizar umas coisas de trabalho antes de dar o café da manhã. E aí tem que ir encaixando as demandas profissionais entre uma mamada e outra. O de 4 anos tem atividades da escola que a gente acaba fazendo atrasadas porque não consigo entrar no site da escola todos os dias.”

A publicitária (que conversou com o blog enquanto amamentava) passa o dia fazendo mais de uma coisa ao mesmo tempo. “Tenho todos os aplicativos que a gente usa para trabalhar no celular e isso me ajuda a não ter que parar enquanto cozinho, por exemplo”, conta.

Junto com tudo isso, claro, vem a culpa.” Me sinto culpada o tempo todo. “Não acho que estou dando atenção o suficiente para eles, não estou dando comida fresquinha para eles em todas as refeições e o mais velho está assistindo muita televisão…”

O que fazer?

Não sabemos quando a epidemia vai acabar. E aí? Será que essas mulheres vão aguentar? “Temos que pensar em uma solução para o que está acontecendo com as mães coletivamente”, diz Lígia. Ela acredita que todos podem ajudar.

“Precisamos falar mais sobre isso, e precisamos de saídas coletivas. Os parâmetros de trabalho, por exemplo, não podem ser os mesmos para mulheres que estão com filhos em casa e as outras pessoas.”

Ela lembra que todo mundo deve ajudar a pressionar as empresas, por exemplo, a não demitirem mães. “Precisamos colocar em prática aqueles dizeres: mãe e crianças vão na frente”.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL