No parto, a comunicação é pelo olhar. Em casa, as visitas são substituídas por videochamadas. “Minha irmã conheceu a bebê pela janela do carro na saída da maternidade.”

Debora Settani, de 32 anos, apresentou a pequena Graziella aos amigos e familiares pela tela do celular....
Arquivo Pessoal Debora Settani, de 32 anos, apresentou a pequena Graziella aos amigos e familiares pela tela do celular. “Minha irmã, que trabalha na área da saúde, conheceu ela pelo vidro do carro, na saída da maternidade.”

Luciana Fernandes, de 22 anos, descobriu a gravidez em agosto de 2019 e, logo depois, precisou interromper temporariamente um de seus maiores sonhos: trabalhar como atriz em uma grande emissora de TV. “Foi um choque pra mim mas, no final, sempre quis ser mãe e lidei bem com a mudança”, diz a jovem, que mora em São Paulo, mas nasceu em Potiraguá, na Bahia. Com uma gravidez que chegou ao fim, de forma inesperada, com o início da pandemia do novo coronavírus, uma segunda vontade de Luciana foi suprimida: usuária do SUS (Sistema Único de Saúde), ela fez o pré-natal em um hospital público e planejou dar a luz na Casa Angela, um centro de parto humanizado na periferia da Zona Sul da capital.

Na madrugada do dia 29 de março, quando entrou em trabalho de parto veio o revés: a pressão de Luciana subiu e ela precisou ser transferida para uma maternidade. “Minha pressão não estabilizou e eu não consegui dilatar o suficiente. Eu sentia muita dor e fiquei com o coração na mão, pensando: ‘meu Deus, tudo o que a gente programou não está acontecendo’”, lembra.

“O que me deixa muito triste, e que eu ainda não sei lidar muito bem, é não ter muito contato com as pessoas, né? Já é um isolamento social ser mãe.” Luciana Fernandes, 22 anos, atriz e mãe de Amora, de um mês

Devido aos altos índices de contaminação pela covid-19 no País e à crise no sistema de saúde, a experiência do parto hospitalar durante a pandemia para muitas mulheres têm sido acompanhada de frustrações e medo. “Eu fiquei com medo de sofrer violência obstétrica em um lugar que não era o que eu tinha planejado”, diz Luciana. “Quando cheguei à maternidade, me senti em risco. Era um hospital muito maior, com muito mais gente e todos estavam usando máscara e sendo muito cuidadosos com tudo por conta do coronavírus.” Transfe

Luciana Fernandes, de 22 anos, comemora o primeiro mês de Amora ao lado de Thiago, seu
Arquivo Pessoal Luciana Fernandes, de 22 anos, comemora o primeiro mês de Amora ao lado de Thiago, seu companheiro.

Para ela, assim como para muitas outras mulheres no País, o primeiro Dia das Mães vai ser bem diferente do esperado. “Eu tinha imaginado outra coisa. Queria comemorar esse momento junto com a minha mãe, mas sei que assim é o melhor agora. Depois a gente pode aproveitar muito outros momentos.”

“Tenho pavor de colocar o pé fora de casa. A Teresa nem sentiu o calorzinho do sol ainda”. Com o isolamento social devido à pandemia do novo coronavírus, a fotógrafa brasiliense Tatiana Reis, de 35 anos, tem convivido com o que classificou de “puerpério dentro do puerpério”, nome dado ao período de resguardo da mulher por pelo menos 45 dias após o momento do parto. Em uma experiência semelhante à de Luciana, ela deu a luz à Teresa, sua segunda filha, no dia 24 de março – apenas 19 dias após o primeiro caso de covid-19 ser confirmado na capital federal e dez dias depois do primeiro decreto que oficializou a quarentena no estado.

“Eu queria muito ter mais gente por perto depois do nascimento da Teresa por vários motivos. Mas não está sendo possível”, lamenta. Do meio para o final da gravidez, Tatiana foi diagnosticada com diabetes gestacional, o que a colocou em um quadro de risco e fez com que ela redobrasse os cuidados com a saúde. “Me senti paralisada. Talvez eu tenha escolhido a cesariana justamente por conta dessa minha situação de alto risco na gravidez, pensando também no medo de ser contaminada pelo coronavírus”. Dias depois do nascimento de Teresa, o Ministério da Saúde incluiu, em 13 de abril, gestantes de alto risco, como Tatiana, e puérperas no grupo de risco de complicações da covid-19.

“Eu quero muito contar pra ela ‘menina, te pari no meio de uma pandemia!’ [risos]. Eu tenho mantido um diário e experimentado tirar fotos com o celular. A gente nunca viveu tão junto.” Tatiana Reis, 35 anos, mãe de Teresa, de um 28 dias e Helena, de 3 anos e meio

Na foto acima, Teresa e Helena, filhas da fotógrafa Tatiana Reis - a foto foi tirada por ela em...
Tatiana Reis/Arquivo Pessoal Na foto acima, Teresa e Helena, filhas da fotógrafa Tatiana Reis – a foto foi tirada por ela em um dos momentos de afeto dentro do isolamento social.

Segundo boletim epidemiológico mais recente da pasta, 121 gestantes e puérperas entre 10 e 59 anos foram contaminadas no País – documento não aponta o número de possíveis mortes neste grupo de vulnerabilidade. Todas as mulheres entrevistadas pelo HuffPost Brasil disseram não apresentar nenhum sintoma da covid-19. Nesta semana, o número de mortes causadas pela doença no Brasil passou de 10 mil, segundo dados divulgados pelo MS, o que representa mais que o dobro do total registrado na China (4.637). Estes dados reforçam o agravamento da crise sanitária no País.

Mesmo antes do agravamento da crise, dentro da clínica em que Tatiana fazia as consultas com seu médico, foi feito um esquema para que as gestantes não se encontrassem nos corredores e todos os funcionários, segundo ela, já usavam máscaras para evitar contaminação. “Ao mesmo tempo que havia cuidado, naquele momento já havia muita tensão no ar”, lembra.

Ao chegar na maternidade, foi realizada uma triagem incomum. “Eles mediram a minha temperatura, e perguntaram se eu tive sintomas ou contato com alguém que teve. Eu não pude trocar de acompanhante e também não pude receber visitas”, conta. De volta para casa, a única rede de apoio de Tatiana, para cuidar da recém-nascida e de Helena, de 3 anos, tem sido parcialmente seu companheiro – que está trabalhando de casa -, sua irmã e algumas amigas que, eventualmente, ajudam levando compras do dia a dia para evitar exposição.

“Eu moro em um apartamento muito pequeno. E só saí de casa uma vez depois do parto para levar a Teresa ao médico com a minha irmã. Eu levei ela no sling ‘escondidinha’, com muitas camadas de tecido”, lembra. “Essa coisa que é a celebração de um nascimento de uma criança, que demanda dessa aproximação da família e dos amigos, está me fazendo muita falta. As avós não conhecem a Teresa, o abraço, o calor faz muita falta”, diz.

Isolada e sem rede de apoio como o planejado, Tatiana têm tentado contornar a rotina de cuidados no distanciamento devido à pandemia e construir uma lembrança para as filhas. Teresa, ela conta, nasceu no dia do aniversário de seu pai, que morreu há poucos meses. “Ela ter nascido foi um marco pra mim nesse sentido. Eu quero muito contar pra ela ‘menina, te pari no meio de uma pandemia! [risos] E você nasceu em um dia cheio de significado’. Eu tenho mantido um diário e experimentado tirar fotos com o celular. A gente nunca viveu tão junto. Eu falo muito do medo porque o confinamento está mexendo muito comigo. Mas a gente vai tentando sobreviver nos encontros de delicadeza, de doçura. Acho que encontrei uma força nesse registro doméstico”. E, claro, na primeira oportunidade, levará Teresa para conhecer e sentir na pele a luz do sol.

Tatiana Reis/Arquivo Pessoal “Ela ter nascido foi um marco pra mim nesse sentido. Eu quero muito contar pra ela ‘menina, te pari no meio de uma pandemia!”, diz Tatiana Reis.

 

Para a produtora Debora Settani, de 32 anos, moradora da cidade de Itu, no interior de São Paulo, as videochamadas com parentes e amigos substituíram quase que de imediato as tradicionais visitas às mães e aos recém-nascidos tanto em casa, quanto na maternidade. “A gente tem fotos que são prints da tela do celular que são eu com a minha bebê e os familiares”, conta.

Debora havia planejado o nascimento em uma maternidade particular de São Paulo e conseguiu que todo o seu plano de parto fosse mantido. Graziela nasceu há duas semanas, no dia 25 de abril, em um momento em que o aumento de casos da covid-19 exigiu mais rigidez na quarentena. Porém, ela foi acompanhada tanto pela doula, quanto por seu marido – que conseguiu autorização não só para participar, mas para tirar fotos e filmar o nascimento da filha. Por causa da pandemia, essa orientação varia de acordo com a instituição de saúde, sendo ela particular ou pública.

“Todos os profissionais e os acompanhantes estavam de máscara e super paramentados. Pude escolher se eu queria ficar com a máscara ou não e, por ter optado pelo parto normal, decidi que ficaria sem. Eu me senti segura e confortável”, diz.

“Eu pensava: ‘será que eu espero? Será que isso vai ser bom, ou será que eu estou arriscando pegar a doença e não ter saúde para ter o parto? Será que tudo o que eu planejei vai acontecer?’.” Debora Settani, 32 anos, mãe de Graziella, com 16 dias de idade.

Debora lembra que o mais estranho do momento foi não poder ver o sorriso das pessoas, em especial, de seu companheiro, quando Graziella nasceu, justamente pelo uso dos equipamentos de proteção individual (EPIs). “Mas, ao mesmo tempo, a comunicação ficou mais forte pelo olhar. O olhar é muito potente, né? Foi muito intensa a forma como a gente encontrou de se comunicar não só pela fala dentro da sala de parto.”

A bebê foi direto para o colo da mãe assim que nasceu e ficou o tempo todo no quarto com ela. Enfermeiras apenas vinham para dar banho ou levá-la para fazer exames e dar as vacinas necessárias, por exemplo. O distanciamento também no berçário foi uma medida de precaução que tem sido adotada por maternidades em todo o País.

No momento do parto, Debora escolheu ficar sem a máscara de proteção.
Arquivo Pessoal No momento do parto, Debora escolheu ficar sem a máscara de proteção. “Mas, ao mesmo tempo, a comunicação ficou mais forte pelo olhar. O olhar é muito potente, né?”

“Ela ficou direto no quarto comigo e eu nem pude caminhar no corredor do hospital, como costumava ser recomendado. Eu andava ao redor da minha cama. De lá, apresentei ela pra amigos e família pelo celular. Eu combinei com a minha irmã, que é profissional da saúde e não pode deixar de trabalhar, de conhecer a sobrinha pelo vidro do carro na saída da maternidade. E foi assim, agora ela está esperando pra pegar a Graziela no colo quando for possível.”

Também hora de ir embora para casa, as lembrancinhas que seriam para as visitas – que foram feitas virtualmente e à distância -, ganharam novos donos. “Eu dei as lembrancinhas para as enfermeiras, que ficaram felizes, mas um pouco espantadas. E eu disse ‘é claro, vocês são a única visita que eu tenho!’ [risos]”. Chegando em Itu, não pode dar um abraço em sua mãe. Apenas deixou Graziela com o pai e correu para o banho. A mãe, nesse momento, junto com seu companheiro – que está trabalhando de casa – tem sido sua rede de apoio. “Eu jamais imaginaria que ela ia nascer praticamente no meio do pico da pandemia, e eu espero poder contar pra ela que foi difícil, mas que passou e que foi menos pior do que a gente achou que poderia ser”, diz.

Como eu vivi a quarentena no último mês de gestação, parece que eu já fiz um estágio para o puerpério.”

A produtora reconhece que, no contexto atual, foi privilegiada – mas que não deixou de sentir algo comum às gestantes diante da covid-19: medo e insegurança. “Eu tive medo, sim, chegando perto da hora do parto, pensando na pandemia, principalmente. Como a minha intenção era ter o parto normal, de 38 a 41 semanas, eu fiquei com muita dúvida. Eu pensava: ‘será que eu espero? Será que isso vai ser bom, ou será que eu estou arriscando pegar a doença e não ter saúde para ter o parto? Será que tudo o que eu planejei vai acontecer?’ Eu antecipei apenas alguns dias e correu tudo como o planejado.”

No dia em que conversou com o HuffPost, Debora estava se preparando para sair de casa pela primeira vez em duas semanas. O motivo? A ida ao médico com a bebê, em São Paulo. “Como eu vivi a quarentena no último mês de gestação, parece que eu já fiz um estágio para o puerpério. É angustiante, sim, você não poder sair, não ter rede de apoio e não poder fazer tudo o que imaginou. Mas se eu puder falar algo para outras mulheres no mesmo contexto que o meu, é que podemos tentar usar esse momento para criar conexão. É o que tenho tentado fazer.”